domingo, 8 de julho de 2012

Homem sob a influência

Não vou tentar saltar por cima das hélices: talvez eu não consiga escrever tudo o que quero. Já não posso assumir compromisso algum, quanto mais com a completude ou a linearidade.

Salto em triângulos, acompanho com os olhos os companheiros que na verdade não são. Giro algumas vezes, desfeito pela liberdade que a escuridão sugere. É tão difícil assim voltar a ser o que fomos um dia? Se é que fomos? Já não sei. Desde o princípio, não há lugar para a memória, talvez só aquela que as cicatrizes, sempre cheias de justificativas, retêm. Não tenho paciência para cicatrizes, e amanhã saio do teatro com algumas, às quais já polianamente me proponho ao trabalho inútil do desvencilhar.

Estalos dos pés no chão e das roupas nos corpos. No semblante alguém abrutalhado. Rugas, esgares e franzidas. No princípio, achei que seríamos menos violentos. São três disparos com o dedo, como Clint Eastwood. Olhar para frente, queixo arqueado, desejo encarar alguém. Dodô respira desritmada, e essa é a informação que consigo absorver. Me aproximo dela pela primeira vez somente para dizer nada que valha a pena; acabo me apegando a este hábito e fazendo dele uma constante irrefreável. The most exquisite agonies. Me dirijo ao corredor e me irrito com o olhar e a presença do João. Estou louco, é preciso devolver essa agressão silenciosa, estou louco. Estou animal, respiro débil, ando de quatro. Com as mãos e o quadril faço casulo tímido, animal-louco-menino. O olhar vazio só registra a imagem que não chega a lugar nenhum da minha cabeça. Desperdício.

Me levanto ainda caído... finjo que estou de pé. É tudo mentira, eu nunca mais me levantei. A partir de agora também finjo que enxergo, mas apenas vejo. Eu cego que acompanha Dodô cega. Eu histérico que acompanha Dodô frágil. Eu selvagem que acompanha Dodô enojada. Até aí, tudo o que digo, repito, não vale de nada. Talvez meus ombros sejam mais articulados do que minha boca. Talvez isso seja um fato. Então, olhar perdido, queixo para dentro, só encaro a mim mesmo e respiro até os pulmões perderem o fôlego de tanto ar. Ninguém me disse nada que pudesse interromper esse tiro, então eu disparo. Como é bom dormir. Como é doente.

Essa peça me roubou a vaidade, os quilos e a gravidade. É um ruído ético que eu nunca havia experienciado de dentro. É uma peça feia, assim como muitas coisas belas são. Percebo, fantasma, que meus dentes se amarelam. Não há mais nada a fazer. Ela é tão feia e tão bela quanto todos nós.

sábado, 7 de julho de 2012

"Consegui fazer desvanecer-se em meu espírito toda a esperança humana. Sobre toda a alegria, para estrangulá-la, dei o salto surdo da fera.

Chamei os carrascos para, perecendo, morder a coronha de seus fuzis. Chamei as calamidades, para me sufocar com areia, com o sangue. O infortúnio foi o meu deus. Estendi-me na lama... Sequei-me ao ar do crime. E preguei boas peças à loucura. E a primavera me trouxe o pavoroso riso do idiota."

(Rimbaud)